Celso Nery
Dicionários de língua portuguesa definem ‘pioneiro’ como aquele que é o primeiro a abrir caminho através de uma região mal conhecida. Também pode ser um termo que designa um precursor, um desbravador ou descobridor. Pode-se ainda definir o pioneiro como um empreendedor, pois se antecipa a outros indivíduos na criação de ideias inovadoras. Assim sendo, pioneiros e empreendedores ajudam a construir novos horizontes. Independente da definição mais clara, é preciso registrar o papel de cada pessoa ou família que se dispôs a iniciar a ‘construção’ do que hoje é Lucas do Rio Verde.
Iniciada entre o final da década de 70 e início dos anos 80, a colonização do hoje pujante município merece destaque. Centenas de famílias deixaram a região sul do país para formar uma nova cidade, sem estrutura e sem garantia do que se tornaria Lucas do Rio Verde. Várias pessoas deixaram suas marcas e contribuição. Uma delas é Paulo Vicente Nunes. Ele rebuscou nas memórias fatos que considera marcantes, compartilhando um pouco da experiência vivida em mais de 40 anos em solo mato-grossense. Paulo deixou os pais em Ronda Alta, no Rio Grande do Sul, e veio para Mato Grosso em dezembro de 1982. “Minha casa foi a sétima a ser construída em Lucas. Na época havia também outros comércios”. Ele foi o único de 7 irmãos a conseguir concluir o ensino médio na adolescência, já que os pais, agricultores no interior gaúcho, não tinham condições de manter os filhos na escola. O pioneiro veio a Mato Grosso na companhia de um amigo e do pai dele. Cleci Nunes, que viria a se casar com Paulo em Lucas do Rio Verde, era ainda namorada quando surgiu a oportunidade de mudar de cidade.
As dificuldades na época quase fizeram Paulo voltar para Ronda Alta. O apoio do amigo Vicente Bortoluzzi, contudo, fez o jovem de 21 anos na época persistir e ajudar no desenvolvimento na nova cidade. Como todos tinham as mesmas ambições, o pensamento comunitário aflorou e todos os avanços foram conjuntos. Na educação, a luta foi para construir e melhorar a Escola Dom Bosco, a primeira do município. Paulo foi convidado a ser o secretário da escola e desenvolvia outras tarefas. Na época a unidade não tinha energia e a estrutura da escola era em madeira, com pouco conforto. Todas as melhorias na escola foram feitas pelos próprios moradores à época. Paulo lembra ter sido pedreiro, carpinteiro e outras funções necessárias naquele período. “O Klaus Huber, que era o diretor, me convidou a fazer parte do quadro de funcionários. Nesse meio tempo fui professor de História, Geografia pela carência que tinha de professores”, lembra, acrescentando que, até a chegada de Cleci, em março de 1983, lecionou para as turmas de 3ª e 4ª séries.
O pioneiro lembra que a infraestrutura da época assustou quem veio do sul do país. Não havia energia, água encanada, sem contar que não havia serviço telefônico. Quem precisasse fazer ligação para parentes ou mesmo se comunicar por carta, tinha que se dirigir a Diamantino, de quem Lucas do Rio Verde era distrito. Contudo, a ‘sede do município’ fica distante cerca de 220 km, deslocamento que era uma verdadeira aventura, principalmente no período chuvoso, entre novembro e março. “Conheci famílias que faziam 30Km a 35km na época de chuva com água pela cintura para vir comprar comida. Era muito difícil para essas pessoas sobreviverem aqui, tinham filhos pequenos. Quando ficavam doentes não tinha como levar pra Diamantino, que era a sede do município”, pontuou.
Organização
A luta para emancipar Lucas do Rio Verde, cujo aniversário do povoado foi estabelecido em 05 de agosto de 1982, exigiu que os moradores se unissem ainda mais e se organizassem. Primeiro, o objetivo foi tornar o núcleo urbano Distrito de Diamantino, o que aconteceu em 17 de março de 1986. Depois, já com um número maior de moradores, foi conseguido enfim a emancipação político administrativa, em 4 de julho de 1988, já com cerca de 5,5 mil moradores. Paulo Nunes participou e lembra dessas conquistas. “Tenho orgulho de ter participado destes momentos importantes e históricos do município”, disse. Nunes foi vereador nas primeiras eleições do município e prefeito nas eleições seguintes. Mesmo sem cargo eletivo, procurou, contribuir com a região. Para isso desempenhou funções no governo do Estado na gestão de programas que procuravam impulsionar iniciativas comunitárias em Mato Grosso. “Lucas me deu tudo o que eu tenho, me deu a família que eu tenho, o que eu sou hoje devo a Lucas do Rio Verde, e consegui manter minha vida e trajetória com bastante retidão. E isso me dá vontade de continuar essa luta, mostrar que é possível conquistar os objetivos desde que tenha persistência e resiliência”.
E essa organização foi essencial para conseguir acompanhar o desenvolvimento luverdense. A agricultura, por exemplo, iniciou com foco na produção de arroz. Contudo, a soja e o milho se tornariam, anos depois, carro-chefe da economia local e regional. Foi por meio dessas culturas que Lucas do Rio Verde galgaria posição de destaque no Estado pela tecnificação de sua produção. Nesse quesito, os pioneiros deram um bom exemplo adotando o sistema cooperativo. “A Cooperlucas e outras cooperativas contribuíram muito para o desenvolvimento de Lucas. Aqui é um município diferenciado, pois todas as pessoas iniciaram com as mesmas condições e trabalhavam pela comunidade, acreditando que juntos poderiam fazer diferente. E foi o que aconteceu. Lucas era considerada o ‘patinho feio’ da BR 163, pois Mutum, Sorriso e Sinop foram colonizadas por meio de colonizadoras e Lucas foi projeto de assentamento. E nós, com esse espírito de comunidade, de fazer as coisas andarem, conseguimos fazer a diferença e sermos o que somos”, assinalou.
Passados cerca de 41 anos morando na região, Paulo diz que não se arrepende de tentar mais uma vez, mesmo quando parecia não haver um futuro promissor. Por isso, o pioneiro diz que a população tem que manter as características que tornaram Lucas do Rio Verde referência em iniciativas que ajudaram a melhorar Mato Grosso e o país. “Eu sou bastante otimista e digo que as pessoas têm que ter esperança, ser resilientes, e não esperar que as coisas aconteçam, mas fazer com que elas se tornem realidade. Tudo o que eu sonhei lá atrás, na minha juventude, na minha adolescência, eu conquistei em Lucas do Rio Verde”, comentou. “Em 8 de dezembro de 1982, quando cheguei aqui e olhei o que tinha me perguntei: ‘Meu Deus, pra onde eu vim?’ Mas Deus colocou no meu caminho a percepção de que aqui seria o lugar pra gente viver. E estou até hoje e tenho o prazer de dizer que participei de todos os momentos históricos do nosso município. O que eu digo às pessoas hoje é: acreditem, Deus é com vocês e aquilo que vocês mentalizarem, de forma positiva, vai acontecer. Pode demorar, mas acontece no tempo de Deus e as coisas vão acontecer no tempo d’Ele. Lucas do Rio Verde é uma cidade de oportunidades”.
Apesar das dificuldades enfrentadas no início da colonização, os pioneiros deixaram um legado importante para as gerações futuras, mostrando que é possível superar os obstáculos e transformar um pequeno povoado em um município acolhedor e próspero.
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